“diz-se que o segredo é a alma do negócio mas eu digo que a alma é que é o segredo do negócio”. quem o afirma é Ana Sousa, coproprietária da Casa do Eido, um espaço de turismo rural situado na aldeia de Vilar-a-Monte, em Terras de Bouro. por lá passámos uns poucos (mas plenos) dias no verão para visitar o Parque Natural da Peneda-Gerês. também lá, quando este blogue ainda estava em remodelação, me senti inspirada a lançar a rubrica “conversar”. numa altura em que se faz o balanço do ano, escolho partilhar esta vivência, não fossem dias de conexão com a natureza e de reequilíbrio e o meu salto de fé nestas partilhas (o melhor de 2017 e o que desejo para 2018) – “sinto que este lugar tem alma e gostava de falar sobre isso”, disse à Ana, pedindo-lhe uma entrevista; e a resposta foi pronta: “claro! esta casa é toda ela coração!”
lembro-me de como lá cheguei entusiasmada, acabada de atravessar aldeias esquecidas no mapa e com a serra do Gerês no horizonte. e de, ao contrário do habitual, não ter estranhado nem por um segundo o lugar que escolhêramos para passar aqueles dias de férias, de tal forma fomos logo impactados pelo sossego e bom gosto do local. no entanto, mal entrámos no estúdio que nos estava destinado, houve algo bem singelo que captou a minha curiosidade: uma máquina de café e cápsulas à disposição. também junto à piscina era possível pedir café gratuitamente. mais tarde, em conversa com a Ana Sousa, entenderia que a Casa do Eido só nos podia acolher assim, com aquela bebida.
“desde os meus seis anos que uma das coisas de que mais gostava quando aqui chegava era beber um café (fraquinho, diziam as minhas tias-avós) com uma bolacha Maria”, conta Ana sobre a habitação que pertenceu aos avós paternos e que começou a reerguer a “quatro mãos” (com a irmã Rosa e os pais), em 2010, como casa do campo a abrir ao turismo. e, se dúvidas houvesse, deixaram logo de existir: aquele lugar, situado em Vilar-a-Monte, a pouco menos de dois quilómetros da Barragem da Caniçada, feito de duas suites e três quartos e uma piscina exterior rodeada por muros de pedra e um relvado com espreguiçadeiras, era muito mais do que estava à vista. um lugar com alma, como eu lhe senti e a Ana confirmou ser o segredo do negócio.
conta que o avô Abel, natural de Terras de Bouro, esteve muitos anos em África no serviço militar e, quando regressou, casou-se e comprou aquela casa (mais pequena na altura). o espaço, que em parte tem mais de dois séculos, foi beneficiando de várias obras, crescendo ao mesmo tempo que a família. “era uma casa sempre cheia de vida e de gente”, diz Ana. além dos avós, dos quatro filhos, três tias e bisavós, era também habitada pelos criados e jornaleiros, frequentada por vizinhos que pediam para lhes serem lidas as cartas, meninas que vinham a aulas de costura, mendigos a quem a avó, em tempos de guerra e de fome, nunca recusou um pão. aponta para um quarto com terraço e explica-nos também que ali viveu uma vizinha, acolhida pelos avós, depois de ter perdido a casa num incêndio.
em família
Ana e a irmã Rosa nunca conheceram esses avós tão estimados (o avô morreu quando o pai tinha só 12 anos e a avó pouco mais de uma década depois). nascidas em Lisboa, para onde os pais foram trabalhar, regressaram ao norte com três e quatro anos e nem sequer lá chegaram a viver, mas quase… “desde miúdas que ouvimos histórias sobre a casa, a minha mãe falava-nos de como era bonita e tinha os jardins arranjados, a minha avó materna contava-me estórias sobre os meus avós; e, aos fins-de-semana, cá vínhamos visitar as tias-avós”, recorda.
a mesma emoção é descrita pela irmã num texto que partilhou connosco mais tarde: “cada dia que íamos ao Eido, era um mistério. procurávamos tesouros escondidos, cheirávamos e colhíamos flores, revistávamos espaços como procurando a porta de um labirinto esquecido. como uma casa das bonecas, com divisões e subdivisões, o Eido era o reino das nossas brincadeiras.”
depois cresceram. foram estudar para a cidade. e a casa foi perdendo vida e movimento. quase só lhe restou a comunhão da cruz na época da Páscoa – Rosa lembra que todos os anos aqui vinham receber a bênção do padre. até que, em 2008, reconhecendo a palpitação que lhes ia no coração, o tio Alberto fez delas herdeiras dessa habitação. morreria em 2011, ainda a tempo de ver o espaço a ser reabilitado. “acharam que éramos malucas”, recorda Ana, mas o projeto ficou pronto e abriu portas em setembro de 2014. agora, que se lhe dedica por inteiro, confessa: “desde miúda que tinha o desejo de ver esta casa com uma vida nova. mas o projeto tornou-se familiar: o apoio dos meus pais é fundamental e todos os produtos biológicos que aqui servimos são produzidos por eles; também conto com a ajuda do meu afilhado; por cá, este verão, estão a ajudar-me no serviço a minha prima Sara e o namorado Abel, até porque a Rosa está em Lisboa a fazer a tese de doutoramento.”
recantos e prazeres
“eido” era, por isso, o nome que melhor se encaixava neste espaço familiar, enquanto aberto à circulação de pessoas… e também de animais, caso do pequeno e amoroso Balu que por ali ia passando (um gatinho adotado). da estrutura original ficaram as paredes mestras, os telhados e algumas mobílias, devidamente restauradas. Ana vai apontando para o espaço e percebemos que em tudo há estórias, esforço, dedicação, amor, sem um único detalhe esquecido. embora formada em biologia-geologia e em arqueologia, é uma apaixonada por artes, especialmente arquitetura, e nada deixou por mãos alheias: o projeto arquitetónico, a decoração, a horta e até a comida que ela mesma prepara e serve.
os pisos dos quartos em madeira, algumas paredes graníticas, peças de mobiliário antigo misturadas com outras bem contemporâneas, flores frescas nos vasos, banheiras vitorianas são alguns dos pormenores da Casa do Eido. nós escolhemos um estúdio com vista para a montanha e para a piscina e com uma kitchenette bem equipada porque gostamos da liberdade de fazer refeições ao nosso gosto e ritmo. mas também valem bem a pena as refeições que, a pedido, a Ana oferece, compostas por produtos orgânicos e locais, servidas debaixo de um céu estrelado e à luz de velas. imperdível é mesmo o pequeno-almoço, com uma enorme variedade de compotas e manteigas caseiras (as de caju e de amendoim são ótimas!) e um bolo caseiro e diferente por dia – absolutamente revitalizador tomá-lo depois de fazer yoga no jardim ou ao lado do tanque, cuja queda de água preenche o som da manhã e, depois do yoga, um mergulho na piscina.
depois há recantos para quem, como eu, não abdica de um tempo para leitura, escrita, meditação ou simplesmente recato. recantos para estar demoradamente, sozinhos e em silêncio ou acompanhados em enamoramento, como o terraço provido de sofás, almofadas, mantas, velas, jogos de tabuleiro e puzzles ou a sala de leitura com varanda e vários livros à disposição ou ainda (o meu favorito) o espigueiro com vistas sobre a montanha e a piscina, perfeitamente recuperado, equipado também com um confortável colchão, almofadas, livros e revistas.
a agenda do espaço pode ainda surpreender-nos com encontros culturais, workshops sobre plantas, oficinas de culinária e retiros. “queremos proporcionar bons momentos, receber visitas”, diz Ana. afinal, sempre assim foi. e ainda é.
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