destralhar e mudar

a minha casa é um simples apartamento alugado de três assoalhadas, sem acabamentos de luxo e sem jardim. mas a minha casa dá-me a leveza de hoje me pertencer deixando o amanhã em aberto. está num terceiro e último andar, sem prédios mais altos em redor, quase me fazendo sentir pássaro num ninho com todo um céu imenso no horizonte e possibilidade de olhar para longe. as três frentes e as grandes janelas deixam-me ver o sol e a imensidão das suas tonalidades, desde o amanhecer ao entardecer, rodopiando pela casa e a nutrindo. arredada de estradas movimentadas, dá-me sossego e silêncio. melhor, dá-me árvores e o embalo das folhas ao vento. dá-me pássaros a chilrear de manhã e mochos à noite. e também a lua cheia se põe sala adentro, não se deixando assim esquecida.

é deste modo o meu espaço sagrado, ninho da minha família, oferecendo-me o essencial: leveza, liberdade, horizontes, sossego. e é, de facto, espaço energético que se reflete e nos reflete e, por isso, é tão importante cuidar dele como um jardineiro cuida de um jardim: não só cortando-lhe a relva que se mostra à superfície mas também cortando-lhe as ervas daninhas, retirando-lhe as folhas velhas, lançando-lhe novas sementas, regando e esperando.

este fim de semana faz dois anos que nos mudámos para esta casa. fugíamos então de paredes velhas, madeiras a apodrecer, janelas a enferrujar, estores a partir. largávamos assim o que nos pesava, estórias resolvidas e dores de crescimento, para abraçarmos uma nova fase. eu não entendi, no imediato, como me pesou aquele outono, como virei depressão, como ainda discutimos o antigo. mas entendo agora como, neste processo, nos desintoxicávamos e curávamos. adoecíamos com o pó que se levantava para depois tudo ficar finalmente limpo, são, fértil. resquícios do que havíamos sido a lutarem brevemente pela sobrevivência para logo desaparecem.

dicas para recomeços 

porque acredito que a nossa casa é o palco principal da nossa relação conjugal e esta é o palco de todos os crescimentos, decidi aqui partilhar algumas dicas com quem está a pensar mudar de casa ou simplesmente mudar ainda que permanecendo no mesmo lugar. são pequenos conselhos baseadas na minha própria experiência:

  •  comprar ou alugar? cabe a cada um decidir, desde que na base da decisão esteja o essencial – a busca de um lugar de leveza, liberdade, felicidade e não a preocupação com a posse, propriedade, heranças.
  • encaixotar. sim, há empresas que podem fazer isso por nós e certamente não faltarão amigos e familiares para ajudar, mas… não deleguem essa tarefa, percam-se e demorem-se nela o tempo que precisarem pois vale bem a pena! comecem pelas roupas (haverá peças já estragadas ou que não nos servem e encostadas a um canto faz anos… libertem-se delas!), passem pelos produtos de casa, casa-de-banho, saúde (asseguro-vos que haverá alguns deles já fora do prazo… reciclagem ou lixo!), não menosprezem as loiças e utensílios de cozinha (certamente nem todos são usados… deem a quem precisa!), demorem-se pelas papeladas (podem reduzir tudo a um volume) e também pelos artigos de que mais gostam (ou se calhar não tanto… podem pôr à venda ou trocar com quem tenha algo útil para nos oferecer… eu, por exemplo, doei muita coisa a quem me ajudou no transporte de tudo, bem como montagem/desmontagem de mobílias, já que a pessoa podia lucrar com isso numa feira de velharias). também seguramente haverá mobiliário com que já não se identificam (restaurem-no ou ofereçam a quem precisa!).

  • sumiços, arquivos e outros gestos significativos. sim, eu era daquelas que guardava tudo – latas, autocolantes, rabiscos, agendas, diários, cartas, postais, etc. etc. etc. não, não acho que tenhamos de nos desfazer de tudo, desde que isso não nos pese e atravanque espaço, memória e energia! aproveitei a mudança de casa para me desfazer do que trazia más recordações, reduzi coleções a fotos ou amostras metidas num álbum ou numa caixinha – o suficiente para que contem a minha história mas não a ocupem por inteiro (!)… para outros ecos de mim, decidi usar a lareira dos meus pais para fazer uma queimada, deixando que a força do fogo tudo transmutasse.
  • desencaixotar. na nova casa, escolham-se os espaços que queremos dedicar a cada coisa e demoremo-nos nesta tarefa também o tempo necessário, porque tão importante foi destralhar que… não vale agora estragar tudo. vamo-nos dar conta que, afinal, há mais qualquer coisa que podemos deixar de fora. e vamos começar com uma casa limpa à superfície e ainda mais limpa em cada entranha, gaveta, prateleira ou armário. agora sim, tudo limpo, tudo arrumado, tudo tão leve… com espaço para o novo entrar!

  • decorar. é tempo de levar adiante os projetos domésticos sempre adiados. aqui, sim, vale pedir ajuda para montar tudo e colocar no sítio… ajuda também fazer uma lista dos consertos, das compras, dos sonhos adiados e, finalmente, dar-lhes projeção pela ação ou, pelo menos, por visualização.

  • manutenção. não mais voltar a acumular e bagunçar. destralhar passou a hábito cá por casa. uma vez por mês, uma vez por ano, não importa, cada um escolha o ritmo que mais lhe convém.

  • limpeza energética. por mais cansada que estivesse da casa antiga (e da senhoria), devolvi-a limpa, como gostaria de a encontrar se fosse a nova inquilina e desejei felicidade a quem lá viesse a morar. na nova casa, acendi um pau de incenso, por uma noite espalhei sal com arruda em copos de vidro transparentes com água pelos cantos de cada assoalhada, e estabeleci as minhas intenções para cada compartimento.

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