houve dores de garganta, de ouvidos, de articulações e de cabeça… gripes e demais infeções, ataques de tosse e febre, insónias e correrias vãs a médicos.
todo um corpo a gritar dor… dor de alma. todo um corpo a ressacar de mágoas, decepções, traições, stresse, ansiedade, expetativas defraudadas. a sensação de abandono, a impotência para ajudar meio mundo, o desprezo de quem não esperávamos, a escolha adiada de uma alma a encarnar-se em si.
o diagnóstico final chegou entretanto: depressão e, com ela, a culpa de se ter afastado de si mesma, das emoções empacotadas e arremessadas para um canto com a mudança de casa, pó varrido para debaixo do tapete. toda ela a ser um poço de energia densa, todas as dores que pensara esquecidas a virem à tona, todas as memórias a tirarem-lhe a força e a converterem-se em lágrimas.
seria mais fácil partir uma perna. não se recriminaria por ter caído e partido uma perna. mas quebrou-se-lhe o coração, envenenou-se-lhe a alma e aí sim há recriminação: por que não escutou o próprio corpo há mais tempo? por que resistiu à dor? por que não soube abrandar e voltar-se para dentro ao invés de se voltar só para o exterior e para o outro? por que escreve para inspirar e logo de seguida desaprende e nega-se a desapegar, criando a sua própria armadilha, deixando-se derrubar?
sabia bem tudo o que a bastava para a auto-cura, mas faltou-lhe o ânimo, faltou-lhe a vontade. deixou de resistir, deixou ir-se ao fundo. deixei-se sentir.
sabia que, como vem escrito no “Manual do Guerreiro da Luz” que repousa na sua mesinha de cabeceira, “os sinos no fundo do mar não eram uma lenda” e que seria capaz de escutá-los quando percebesse que “o vento, as gaivotas, o barulho das folhas de palmeira, tudo aquilo era parte do badalar dos sinos”. “Da mesma maneira, o guerreiro da luz sabe que tudo à sua volta – as suas vitórias, as suas derrotas, o seu entusiasmo e o seu desânimo – faz parte do seu Bom Combate. E saberá usar a estratégia certa, no momento em que precisar. Um guerreiro não procura ser coerente; ele aprendeu a viver com as suas contradições”.
por isso, deixou-se afundar, assumiu a sua fragilidade e só depois começou a descarregar a mochila que de tão pesada lhe travava o passo, já sem culpa, já sem julgamentos, aceitando que nenhum processo de auto-conhecimento se faz sem dor, reconhecendo as suas contradições. pediu ajuda, muniu-se de remédios e ligaduras, e agora retoma o passo, grata por este processo, grata por se ter feito cacos e agora ter a oportunidade de se recompor. porque sabe que esta depressão é uma mensagem e uma oportunidade de se pôr novamente na direção do seu propósito… e ela não perderá essa mensagem. ela não perderá essa oportunidade.