etapa III: sigueiro
às vezes a vida mais se parece com uma grande reta, quilómetros de caminho sem fim à vista. mas é preciso continuar até se encontrar o que se procura. ali naquela imensidão sem rumo é que não podemos encalhar.
e não há quem fique indiferente à reta quilométrica com que esta etapa do Caminho Inglês nos presenteia. quilómetros da mesma paisagem, do mesmo piso, do mesmo horizonte. ali, sem chuva ou vento para escutar, sem paisagens ou personagens encantadas, sem quaisquer surpresas, não me restou outra hipótese senão olhar para dentro. e que bom foi esse tempo infinito a correr dentro de mim e a dar-me, finalmente, todas as respostas que procurava, respostas que sempre ali estiveram mas que não conseguira escutar antes, perdida no turbilhão de pensamentos de que é feita a nossa mente.
depois de uma reta assim e de rebuliços desfeitos, chegar a Sigüeiro e ficarmos alojadas no Albergue de Delia foi uma indescritível sincronicidade, confirmação de todas as respostas, certeza de que podia finalmente descansar.
Maria José, peregrina noutras vidas, recebe-nos nesta casa como se uma mãe de todos nós fosse: dá-nos uma cama com roupa lavada, aquecedores e jornais para secar calçado, chá para tranquilizar e beijos de boa-noite. cuida dos pés mais mal tratados e explica com devoção os desejos que podemos pedir na chegada a Santiago. Sue, Judie, Mónica, Carlos, Canário e António, peregrinos conhecidos na etapa anterior e que já lá se encontravam, apressaram-se a receber-nos com entusiasmo como se já nos conhecêssemos há uma vida inteira. e não era por acaso que, pela primeira vez em quatro Caminhos de Santiago feitos, passava a registar no meu diário nomes, profissões e estórias. fomos, naquele final de dia, véspera de chegarmos ao mesmo destino, uma família.