etapa II: bruma
“ama o que o caminho te dá”, li algures. e eu amei, amei perdidamente, amei cada gota de chuva, cada raio de sol, cada rajada de vento. deixei os olhos perderem-se nas paisagens e os ouvidos reterem-se nas estórias daqueles com quem me cruzava. deixei as mãos afagarem pedras, cavalos e burritos. deixei-me delirar com os simples prazeres da mesa, onde simples bocadillos de queijo e presunto, depois de horas a caminhar, facilmente alcançavam distinção como melhor refeição de sempre.
“não te fartas?”, “de novo?”, perguntam-me tantas vezes quando anuncio a partida para novo Caminho de Santiago. mas a viver e sentir assim cada quilómetro, cada conquista, cada achamento, é impossível cansarmo-nos, fartarmo-nos ou sequer queixarmo-nos de cansaço, dor, bolhas.
a chegada ao Hospital de Bruma, antigo hospital de peregrinos na rota inglesa, confirmou-me isso mesmo: que o Caminho não pára de nos surpreender. lugar encantado, feito de pedra, com o verde em volta e a atravessar janelas. um jardim a convidar ao descanso e à meditação. tornei-me vento, virei erva, escorri feita água nas pedras do riacho que ali passava. e à noite, rodeada de peregrinos de todas as idades, nacionalidades e propósitos, sentados à volta da mesma mesa de jantar, senti-me parte de uma família sem apelido. senti o verdadeiro espírito de peregrina a entranhar-se ainda mais fundo. senti-me una.