nos últimos meses ela estivera doente movimentando-se entre opostos, ora explodindo em luz ora apagando em trevas, esquecendo-se que o corpo não conseguia acompanhar o ritmo desassossegado da alma e que um e outro teriam de aprender a conviver melhor. e doente deixara-se perturbar pelo medo que lhe colocava um “se” a cada passo. frágil deixara-se também levar por tudo o que lia e escutava, dando mais atenção ao que lhe chegava de fora e confiando mais no outro do que em si mesma.
mas houve um momento, um singelo momento, em que tudo parou – o choro, a mente, o tempo. “se puderes olhar, vê. se podes ver, repara”, diria José Saramago. assim fez e olhando em volta, viu e reparou que estava tudo bem, tudo no lugar certo, tudo no tempo certo. apenas a mente divagava e circulava intermitentemente por fantasmas e fantasias, passados e futuros, enquanto ela estava ali, no sítio que escolheu, como escolheu, quase sem dar por isso, alienada do real, da vida, da posse de tudo quanto tinha desejado.
nesse momento percebeu que não importava fazer balanços ao passado ou projeções do futuro, decidir se ia para a direita ou se ia para a esquerda. aceitou-se corpo e espírito, forte e fraca e optou por abraçar a vida na sua totalidade. optou por usufruir do presente em toda a sua trágica felicidade. optou pelo amor que tudo pode e tudo devolve em abundância.
“quando é que chega a hora da felicidade?”, perguntava José Tolentino Mendonça numa das suas crónicas semanais no “Expresso”. o próprio responde, com toda a razão: “chega nesses momentos de graça em que não esperamos nada.”